Artigo: Orna Ben Dor

“Os escravos do tempo são escravos dos escravos, só o escravo de Deus é livre”. Rabino Judah Halevi

“E contarás para ti sete sábados de anos, sete vezes sete anos; e haverá para ti os dias de sete sábados de anos, a saber, quarenta e nove anos…  E santificarás o quinquagésimo ano, e proclamarás liberdade em toda a terra e a todos os seus habitantes; será para ti um jubileu; e retornará cada um à sua propriedade, e retornará cada homem à sua família. ” (Levítico Capítulo 25, versículos 8,10).

Neste ensaio, abordarei as idades de 49-50 anos de dois pontos de vista: a perspectiva judaica que inclui o método esotérico – Cabala, e a Antroposófica, como foi apresentada pelo Dr. R. Steiner. Ambas convergem com o ditado de que a idade de 49 anos é a idade em que uma pessoa pode ganhar uma nova liberdade.

Há certos pontos de idade indicados por Steiner como aqueles em que o destino vindo do passado termina e o destino futuro começa a surgir – 49 anos é a idade em que Steiner afirmou claramente: o passado acabou.

Do nascimento até os 49 anos, uma pessoa carrega consigo um destino que começou antes do seu nascimento. Esse destino influencia principalmente a infância, um período com muito pouca possibilidade de mudança.

Uma pessoa nasce em uma determinada nação, numa determinada família, em certas condições socioeconômicas, com uma genética e gênero estabelecidos, sendo alta ou baixa, tendo certas inclinações e não outras, sejam elas mentais ou físicas, além de se deparar com determinados acontecimentos externos.

Em todos esses casos, uma pessoa tem muito pouca escolha. Portanto, pode-se afirmar que a pessoa é uma ‘escrava’ de seu passado.

Outro aspecto do jubileu da escravidão é a criação de determinações que, por sua vez, criam configurações neurológicas, psicológicas, sociais e outras em nossas vidas. Essa é a razão pela qual nossa visão da realidade fica afetada por elas, portanto, tirando nossa lucidez.

Somos escravizados pela nossa percepção, pela vontade que nos foi transmitida pelos nossos pais, pelas suas expectativas em relação a nós, pelos nossos preconceitos, pela nossa propriedade, pelas nossas ansiedades e medos de mudança, pela nossa culpa, pela nossa autoimagem, pelos conteúdos que trazemos conosco e pelas nossas obrigações com vidas anteriores.

De acordo com Steiner, parte de nossas obrigações resulta de relações não resolvidas com pessoas que prejudicamos nesta e em vidas anteriores, atos cometidos deliberadamente ou erroneamente, todos os quais precisamos consertar ou corrigir. Tudo isso é nosso carma passado, contra o qual não temos liberdade.

A seção da Torá “No Monte”, em Levítico, trata da libertação do escravo israelita; uma vez a cada sete anos ele tem a possibilidade de se libertar e, no seu 50º ano, após 49 anos de escravidão, ele deve ser libertado.

O Livro do Zohar (método esotérico judaico) apresenta uma interpretação espiritual do termo, escravo. Um escravo é considerado não apenas alguém que é formalmente considerado como tal, mas também aquele dentro de cada um de nós. Nós humanos, somos escravos do curso mecânico, repetitivo e imutável que é chamado de “jubileu” –  em outras palavras, as pessoas não são livres em suas vidas e não têm realmente a capacidade de mudar seu destino.

Por outro lado, no judaísmo a escravidão tem um significado adicional: alguns são escravos do jubileu, mas há outros que são escravos de Deus, e também são chamados de filhos.

“Porque os filhos de Israel são meus servos; eles são meus servos, que tirei da terra do Egito. Eu sou o SENHOR, vosso Deus.”  (Levítico, Capítulo 25, versículo 55).

Se unirmos ambos os conceitos sobre o escravo com a ciência espiritual Antroposófica, podemos dizer o seguinte: até a meia-idade, somos todos escravizados ao nosso destino que nos chega, tanto internamente (formato do corpo, estrutura mental, desejos, vontade pessoal, etc.) quanto externamente (eventos externos, assim como pessoas que afetam nosso destino). Nesse sentido, podemos ser chamados de escravos do jubileu. Da meia-idade em diante (idades de 33 a 42 anos e além), temos a possibilidade de mudar nosso status de escravo. A partir dessas idades, podemos escolher ser escravos de Deus, ou seja, buscar nossa verdadeira essência espiritual e lutar por uma nova liberdade em nossa vida.

De acordo com o Livro do Zohar, toda a nação israelita, ao contrário de outras nações, tem o potencial de ser escrava de Deus e, como tal, de ser redimida, enquanto outras nações estão presas aos seus desejos, suas vontades e ao seu passado.

De acordo com Steiner, hoje em dia não podemos considerar a nação israelita como o povo escolhido que detém exclusivamente esse potencial redentor. Todos os humanos são escolhidos por Deus, e se eles escolherem seguir o caminho espiritual, independentemente de religião, raça ou gênero, eles podem se libertar.

A partir dos 49 anos, nossos olhos se abrem para o nosso destino. Assumimos nossas rédeas e, como está escrito no Zohar: “Cada um retornará ao degrau em que sua alma está pendurada” (tradução livre).

A maioria das pessoas nessa faixa etária começa a sentir a finitude da vida, não apenas por meio do conhecimento subjetivo e, como resultado, inicia um processo de autoexame.

O trabalho biográfico permite que uma pessoa examine sua vida até o ponto presente e encontre o contexto dos assuntos de acordo com as regras biográficas. Permite também que ela junte os fios de sua vida numa tapeçaria coerente e, assim, atualize sua interpretação desses assuntos. Além da interpretação psicológica regular, pode-se observar a própria vida de uma maneira espiritual, fazer correções morais quando necessário e se esforçar para entender o significado de sua vida e seu destino.

Devemos nos libertar das cordas às quais nos amarramos no passado, ou às quais fomos amarrados por circunstâncias externas. Nos casos em que podemos mudar a realidade, devemos mudar a interpretação por meio da compreensão da totalidade.

É isso que significa encontrar significado em retrospecto. Olhar para trás e encontrar o todo por meio das partes em desenvolvimento durante nossa vida. O todo pode ser encontrado no final do processo 10 e não é pré-determinado – nossa vida se desenvolve em direção à nossa essência em sua totalidade.

A libertação das amarras aos 49 anos não é fácil e não é garantida. Uma pessoa não é libertada automaticamente. Depende do livre-arbítrio. Ela só acontecerá se um certo trabalho espiritual consciente for feito. Caso contrário a pessoa continuará presa a outra etapa mecânica do carma passado e será uma escrava perfurada, como é chamado no judaísmo.

* Agradecimentos especiais ao Sr. Kobi Nechushtan por fornecer conhecimento judaico

[1]  Tradução: Nirit Olizur

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